Se “Agro é Pop, Agro é Tech e Agro é Tudo”, quais as Balizas da Política Fazendária e seus Impactos na Constitucionalidade do Convênio CONFAZ nº 100/1997?

1. Introdução e Contexto Histórico

Face às anuais prorrogações dos benefícios fiscais dispostos no Convênio 100/97, permitindo a redução de 60% da base de cálculo do ICMS quando das saídas interestaduais de determinados defensivos químicos (agora vigente até 12/2025), bem como a pendência de julgamento da ADI 5.553 que busca o reconhecimento de sua inconstitucionalidade, por meio de duras críticas à utilização de “transgênicos“ na produção do agro, nos parece necessário o enfrentamento de algumas questões, especialmente diante do recente voto do Exmo. Ministro Relator, EDSON FACHIN naquela ADI e a repercussão em inúmeros setores da economia.

A idéia embrionária do que posteriormente se tornou o Conselho Nacional de Política Fazendária – CONFAZ, remonta à implementação do ICM (Imposto sobre a Circulação de Mercadorias) nos idos de 1967, tendo sido introduzida ao sistema constitucional por meio da Emenda nº 18/1965.

Tendo em vista que à época o país pautava sua economia basicamente no comércio e industrialização, na fase do pós-guerra [cenário que vem mudando constantemente, perpassando pelo protagonismo do setor de serviços e, atualmente, do agronegócio], o Governo se deparou com a necessidade de maximizar o acesso às mercadorias em todo o território, visando movimentar a economia – mas de forma desonerada e acessível aos Estados mais incipientes. Para isso, e considerando que cada uma das Unidades Federativas possuíam legislações autônomas e alíquotas distintas para os mesmos itens, foi criado o CONFAZ, expandindo a abrangência das concessões de isenções, reduções e favores fiscais entre os Estados, antes restritas às respectivas regiões geoeconômicas (Amazônia, Centro-Sul, Nordeste).

Já em 1975, foi editada a Lei Complementar nº 24, criando em efetivo o CONFAZ (ainda enquanto ICM), autorizando o estabelecimento de convênios que versem sobre concessão ou revogação de isenções, incentivos e benefícios fiscais e financeiros daquele imposto, celebrados em reuniões em que tenham sido convocados representantes de todos os Estados e do Distrito Federal, bem como presidido por representante do Governo Federal (notadamente o Ministro de Estado da Fazenda, atualmente, da Economia).

A importância do CONFAZ na busca pela neutralidade tributária e atendimento ao objetivo federativo de minimização das desigualdades sócio-econômicas entre os Estados e regiões (art. 3º, inciso III da Constituição da República), ficou estampado no próprio art. 155, §2º, inciso XII, alínea “g”, da Carta Maior, em que percebemos a importância do CONFAZ nas deliberações do atual ICMS, haja vista seus inquestionáveis impactos na economia.

Dito isso, se extrai do Regulamento Interno do CONFAZ (e também da própria LC nº 24/1975, que lhe instituiu), as seguintes atribuições primordiais:

– sugerir medidas visando simplificar e harmonizar exigências legais;

– promover a gestão do Sistema Nacional Integrado de Informações Econômico-Fiscais – SINIEF, para a coleta, elaboração e distribuição de dados básicos essenciais à formulação de políticas econômico-fiscais e ao aperfeiçoamento permanente das administrações tributárias.

– promover estudos com vistas ao aperfeiçoamento da Administração Tributária e do Sistema Tributário Nacional como mecanismo de desenvolvimento econômico e social, nos aspectos de inter-relação da tributação federal e da estadual;

– colaborar com o Conselho Monetário Nacional na fixação da Política de Dívida Pública Interna e Externa dos Estados e Distrito Federal, para cumprimento da legislação pertinente e na orientação das instituições financeiras públicas estaduais, propiciando sua maior eficiência como suporte básico dos Governos Estaduais.

Estabelecidas as premissas de contextualização sobre o CONFAZ, convém abordarmos a finalidade específica do Convênio 100/1997, objeto do presente ensaio.

Para uma melhor compreensão sobre o Convênio em análise, também se faz necessário o breve exame do cenário macroeconômico da época.

Estamos falando da implementação do Plano Real, criado com vistas a combater altos índices de inflação, fortalecendo a moeda nacional perante o mercado internacional, haja vista os sucessivos déficits na balança comercial brasileira que desequilibravam as nossas contas, em decorrência da posição cambial desvantajosa.

No bojo da reestruturação econômica interna, foi aprovada a Lei Complementar nº 87/96 (a Lei Kandir), que exonerou as exportações de produtos brasileiros de todos os tributos, inclusive o ICMS de âmbito estadual, buscando o superávit.

Ocorre que mesmo com a desoneração de exportação, fato é que os custos de produção do agronegócio eram muito altos na época, até mesmo por se tratar de um setor até então pouco incentivado pelo plano econômico. Para tanto, foi editado o Convênio CONFAZ 100/97, impactando consideravelmente para a redução dos custos com insumos, viabilizando, em consequência, uma otimização da produção interna e maior competitividade na exportação de produtos do agro (gerando, por fim, o almejado superávit da balança comercial).

As conseqüências do Convênio 100/97 puderam ser constatadas em todo o país, mediante redução das barreiras tributárias internas sobre os insumos, ao final e ao cabo, desonerando a cadeia produtiva em escala macroeconômica. Isso porque de acordo com estudo publicado em 2019 pela CNA – Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil -, foi constatado que “sem os benefícios oferecidos pelo citado Convênio, os custos de produção de grãos (feijão, milho, soja e trigo) poderiam ter elevações de 8,8% (feijão em Santa Catarina) a 11,4% (milho na Bahia). Na pecuária de leite, o aumento de custos para os produtores chegaria a 14,3% (semiconfinamento no Rio Grande do Sul)[1].

Contudo, dentre os insumos desonerados estão os agroquímicos – também chamados de agrotóxicos ou defensivos agrícolas -, que aproveitam a redução de 60% (sessenta por cento) da base de cálculo do ICMS nas saídas interestaduais (Cláusula 1ª, inciso I).

Face o ajuizamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI 5.553, nos idos de 2016 pelo PSOL, ainda pendente de julgamento pelo Supremo Tribunal Federal, bem como em virtude dos impactos econômicos e sociais para o caso de procedência da ADI com declaração de inconstitucionalidade do citado dispositivo do Convênio 100/97, a matéria segue em constante pauta no setor do agro, pois a judicialização da matéria trouxe desconforto e insegurança, que podem, eventualmente, impactar não apenas na cadeia produtiva do agro e nos reflexos de exportação e balança comercial, mas principalmente no mercado interno e aumento do preço de produtos básicos (que puxam consigo a inflação e, portanto, elevam a carga de juros acumulada). Para tanto, se faz necessária a análise acerca da constitucionalidade e limites da atuação da política fazendária por meio dos Convênios CONFAZ.

2. A ADI 5.553 e seus fundamentos

Conforme abordado linhas atrás, foi proposta pelo PSOL a ADI nº 5.553 em 2016, buscando a declaração de inconstitucionalidade do inciso I, da Cláusula 1ª, bem como da Cláusula 3ª, ambas do Convênio 100/97 e ainda o Decreto nº 7.660/2011 (que concede isenção total do IPI para as mesmas substancias listadas na Cláusula 1ª do Convênio.

O escopo daquela ADI está pautado no tratamento “benéfico” concedido aos agrotóxicos que, mediante estudos apresentados em sua própria fundamentação, teriam o consumo de defensivos concentrados em apenas 04 (quatro) commodities agrícolas: soja, milho, cana e algodão, tendo o estudo ali levantado, indicado que apenas tais produtos teriam sido responsáveis por 78,5% e 80% do total de defensivos vendidos no Brasil em 2012 e 2013, respectivamente[2], sendo a soja responsável por metade do consumo.

Para sustentar a pretensão, conclui que os citados defensivos, por atenderem de forma preponderante à produção das commodities e não aos alimentos in natura, não deveriam receber tratamento fiscal mais benéfico, pois acredita não ensejar impactos aos itens de primeira necessidade ou aos alimentos básicos (que, como visto, alavancam ou retraem a inflação pela influência no IPCA – Índice de Preços ao Consumidor Amplo).

Entretanto, com todas as vênias e para além da condenação do uso de defensivos agrícolas, que estaria sendo incentivado pela desoneração do Convênio 100/97 (sustentado como em desacordo aos deveres de proteção à saúde ao meio ambiente e – artigos 196 e 225 da Constituição da República, respectivamente), nos parece igualmente importante para a análise da constitucionalidade, examinar se o Convênio 100/97 implicaria no uso desmedido, inadequado ou exacerbado dos citados defensivos – o que, salvo novas pesquisas técnicas em contrário, não parece ser o mais real.

Isso porque a desoneração da aquisição de defensivos enquanto insumos da produção do agro, não implica em necessário e consequente descumprimento das normas de segurança do manejo destes agrotóxicos, consoante autoriza a própria ANVISA. Especialmente, pelo fato de estarem elencados apenas alguns dos químicos desta finalidade, não representando o Convênio uma “carta branca” para o uso/consumo desmedido dos defensivos.

O exame feito pelo CONFAZ quando da edição do Convênio 100/97 não traz em seu bojo ou atas da reunião qualquer pretensão de incentivo ao consumo indevido das substâncias, mas tão somente desonerar a cadeia produtiva, reduzindo os custos de produção e, com isso, viabilizar a comercialização (interna e externa) mais competitiva, gerando impacto positivo na inflação e balança comercial. Este foi o propósito ao qual se vinculam as disposições do Convênio e, ao que nos parece, não violaria qualquer dos preceitos constitucionais indicados na fundamentação da ADI 5.553.

É importante esclarecer que o presente ensaio não defende ou condena o uso de defensivos sob as óticas sanitária e ambiental, justamente por não ser o escopo do exame, que se restringe à análise de regularidade tributária e constitucionalidade dos incentivos, sob a premissa de aprovação do uso pelos órgãos competentes e presunção de aplicação regular aos produtos (caso contrário, não nos parece possível sequer a obtenção de certificados que autorizem a comercialização de tais mercadorias).

Até mesmo porque na hipótese de ser identificado o manuseio inadequado, há no sistema jurídico, formas de punir e reprimir a conduta contrária às normas de segurança à saúde e meio ambiente.

Logo, para o exame jurídico da matéria, devemos apenas ater à regularidade extrafiscal do Convênio 100/97 em relação à matéria incentivada pela desoneração nas barreiras fiscais dos Estados, posto que funciona como norma indutora de comportamento. É verificar se suas disposições atendem à seletividade, por essencialidade, em relação às disposições ali contidas.

2.1. Seletividade e Essencialidade do ICMS. Convênio CONFAZ enquanto norma indutora

A Constituição da República estabeleceu como um dos critérios do ICMS, a possibilidade deste ser seletivo, em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços” (art. 155, §2º, inciso III).

A seletividade do ICMS é, portanto, facultativa. Contudo, uma vez adotadas alíquotas diversas para cada mercadoria ou serviço, o imposto torna-se seletivo. Neste caso, ela deverá ocorrer com base no critério da essencialidade e não por critérios outros[3]. Quanto mais essencial o produto, menor a alíquota de ICMS incidente sobre ele.

Neste sentido são as lições do Professor HUGO DE BRITO MACHADO SEGUNDO, in verbis:

“(…) a Constituição facultou aos Estados a criação de um imposto proporcional, que representaria ônus de percentual idêntico para todos os produtos e serviços por ele alcançados, ou a criação desse mesmo imposto com caráter seletivo, opção que, se adotada, deverá guiar-se obrigatoriamente pela essencialidade dos produtos e serviços tributados. A seletividade é facultativa. O critério da seletividade é obrigatório.”[4]

É igualmente importante esclarecer que a seletividade não se tratar de um critério político, não cabendo ao legislador pautar-se da discricionariedade para atribuir caráter essencial ou não a determinada mercadoria ou serviço, sob pena desta norma suspeita de violação ser submetida ao controle judicial.[5]

Embora muitos tentem fazê-lo, podemos afirmar que o conteúdo das palavras não se altera pelo Direito Tributário (art. 110 do CTN), pelo que nos termos do próprio Dicionário da Língua Brasileira, o conceito de essencial representa: “que constitui o mais básico ou o mais importante em algo; fundamental.

Cabe, portanto, no caso de optada pela seletividade do ICMS, suas alíquotas observarem a essencialidade no estrito sentido, sem cunho moral ou ideológico. Em curto parêntese, é justamente por descumprir o conceito de essencialidade, é que hoje se discute a elevada tributação do ICMS sobre energia elétrica e serviços de comunicação.

Retomando ao tema, é justamente pelo fato do ICMS não deter caráter exclusivamente arrecadatório (em busca de uma neutralidade fiscal), que em sua característica predominantemente extrafiscal – por vezes indutora e em outras, inibidora de comportamento socioeconômico -, o imposto é também utilizado como instrumento de atuação do Estado sobre o domínio econômico, interferindo nas decisões dos agentes. Até mesmo porque, já não vivemos mais sob a égide do Estado absolutamente liberal de John Locke e Adam Smith

A extrafiscalidade do sistema tributário brasileiro é facilmente perceptível, na medida em que por diversas vezes no texto constitucional, é possível constatar a opção pela realização da igualdade tributária em detrimento da eficiência econômica (capacidade contributiva, equivalência e repartição de encargos em vista de benefícios, etc). Nas palavras de DIEGO BOMFIM[6]:

“Apesar da afirmação da ciência econômica acerca da ineficiência dos tributos e, portanto, da necessidade de que estes sejam instituídos de maneira que gerem menores influências possíveis sobre o mercado, o texto constitucional foi pródigo em prever a utilização da extrafiscalidade como instrumento de alcance da equidade.”

Diante da impossibilidade de ser alcançada a neutralidade fiscal pura e simples da ciência econômica, temos que sua acepção no ordenamento brasileiro protege e permite a livre concorrência em si, uma vez que a tributação passa a ser utilizada como “um delineador do exercício da competência tributária com finalidades fiscais, impondo a realização da neutralidade concorrencial do Estado, tendo em vista o dever estatal de tratar com imparcialidade os agentes econômicos alocados numa mesma situação, não gerando, portanto, por meio de seus tributos, privilégios desarrazoados[7]. Havendo assim, uma justa distribuição da carga tributária.

Encerrado o paralelo necessário dos conceitos para uma melhor compreensão do tema, no caso do Convênio 100/97 verifica-se apenas uma forma de se alcançar a “paridade de armas” com no mercado, mediante utilização da tributação e suas isenções, concessões, benefícios, como forma de justamente permitir o acesso por todos às mercadorias finais do agro – mediante desoneração do ICMS em diversos insumos, até mesmo defensivos agrícolas, cujo uso é permitido pela ANVISA, ressalte-se.

Não nos parece que o Convênio tenha falhado na isonomia, livre concorrência e na acepção atual de neutralidade fiscal, uma vez que concede a todos os integrantes do processo de produção do agro, que se utilizam dos defensivos como insumos, sua aquisição com redução de 60% da base de cálculo quando das aquisições em diferentes Estados, seja para a comercialização do produto no mercado interno ou externo.

Ao passo em que se analisa a seletividade com base na essencialidade, com as devidas vênias ao já proferido voto do Exmo. Ministro EDSON FACHIN na ADI 5.553, de igual modo não se verifica incongruência, pois o favorecimento tributário no caso da Cláusula 1ª, inciso I, do Convênio 100/97 simplesmente viabiliza o acesso a produtos essenciais e necessários ao mínimo existencial, pois atrelados à produção de itens de primeira necessidade de alimentação e subsistência (ou simplesmente, de caráter inelástico, se adotado o conceito da ciência econômica), tornando fundamental a desoneração do custo de produção, justamente pelo efeito econômico em cascata, da sua extinção.

Pari passu, importante examinar as razões do voto do Exmo. Ministro EDSON FACHIN na ADI 5.553, especialmente, por apresentar aparente dissonância à anterior compreensão deste mesmo Ministro acerca dos limites indutores dos Convênios CONFAZ – oportunidade em que o mesmo se posicionou no sentido de reconhecer tratar-se de mera norma autorizadora e não instituidora de benefícios fiscais e isenções[8].

Ao apreciar o Convênio 100/97, nos autos da ADI 5.553, se manifestou o Exmo. Ministro Relator, in verbis:

“A premissa de que a redução do custo de produção dos alimentos propicia incremento na produção agrícola e, por conseguinte, maior oferta de alimentos a menor preço, é silogismo que é confrontado pelo fato de que as demandas por mercadorias podem ser elásticas ou não. Quando o são, pequenas variações de preços implicam um grande recuo ou avanço por parte dos consumidores. Por outro lado, se a demanda é inelástica, a mesma quantidade de produto será adquirida independentemente da variação do preço, o que ocorre, por exemplo, com o consumo de sal (SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito Tributário. São Paulo, Editora Saraiva. 2013, pp. 54 e 55).

Os agrotóxicos inserem-se nessa segunda lógica: a mesma quantidade deverá ser adquirida de maneira independente à redução de base de cálculo de imposto ou de preço, pois aplicados em quantidade tecnicamente recomendada de acordo com receituário agronômico.

Além disso, o consumo de agrotóxicos no Brasil é concentrado em quatro commodities, cujo preço é determinado pelo mercado mundial. Em 2014, a soja representava 49% do uso dos produtos no Brasil; a cana, 10,1%; o milho, 9,5%; e o algodão, 9,1%, o que soma 77,7% (DINHEIRO RURAL. Mercado de defensivos agrícolas deve avançar 9%. Disponível em:. Acesso em 12 out. 2020).

Nessa perspectiva, a mitigação da incidência tributária do ICMS e IPI aos agrotóxicos não implica automática redução do preço dos produtos ao consumidor dado que há uma série de fatores do mercado internacional que determinam sua cotação. De toda forma, bastaria, para atender à essencialidade, que o benefício incidisse sobre o produto final, de modo, portanto, a alcançar o seu efetivo destinatário, o consumidor, independente do uso de agrotóxicos na cadeia produtiva.

Portanto, considerando a inelasticidade da demanda aliada ao fato do preço dos alimentos observar lógica diversa nas commodities, não é de todo sólido o argumento de que a desoneração tributária promovida implica menor preço dos alimentos e, consequentemente, segurança alimentar.

Do exposto, em uma primeira perspectiva atinente ao aspecto fiscal, conclui-se que os incentivos fiscais de ICMS e de IPI aos agrotóxicos se afastam do princípio da seletividade tributária, à luz da essencialidade.

Nada obstante as razões de decidir do Exmo. Ministro Relator nos parece necessário divergir acerca da compreensão de inelasticidade do produto final e a manutenção inalterada do seu respectivo consumo.

Afinal, por mais básico que seja a mercadoria ou o serviço a ser disponibilizado ao mercado consumidor, temos que nos atentar para o fato de que a majoração desse custo implica diretamente no prejuízo do mínimo existencial (pois, sim, muitos deixariam de consumir ou racionaram o consumo até mesmo sobre bens de primeira necessidade, justamente como vem sendo divulgado diariamente nos veículos de notícias).

Outro ponto necessário de se observar é que o aumento no custo destes bens e serviços de primeira necessidade (dada a majoração do ICMS no processo produtivo) implica no aumento do preço destes mesmos produtos básicos, o que – necessariamente – afeta a inflação, pois interfere na apuração do IPCA, como já vimos.

Afora os efeitos diretos no mercado interno, é igualmente importante observar que as razões de decidir dispostas no voto, não considerou os efeitos no mercado internacional, de ma forma precisa. Explico. A isenção parcial do ICMS, conferida pelo Convênio 100/97, sobre os defensivos utilizados como insumos, permite a exportação de produtos do agro com preços mais competitivos em relação a outros países, sendo este um fator fundamental (em que pese não seja exclusivo) para gerar impactos na balança comercial do país.

Sua interferência majoritária em apenas 04 (quatro) commodities, por sua vez, também merece consideração, haja vista o aumento dos preços finais destes itens – soja, algodão, cana e milho – terem o condão de impactar inúmeros outros setores, como por exemplo:

– Soja: além de ser o 2º maior exportador de soja do mundo, viabiliza a produção de itens derivados (como óleo comestível e óleo para produção de biodiesel), bem como seu farelo é importante insumo na produção de suínos e aves;

– Algodão: sua fibra é reconhecida matéria-prima da indústria têxtil, consumida em larga escala também na indústria química e farmacêutica, produção de celulose, indústria de verniz e outras diversas aplicações no setor de cosméticos e de estética (extração de óleos, etc);

– Cana: utilizada para a produção de etanol e açúcar, bem como na produção de energia e biogás, tendo papel fundamental na busca pela substituição dos combustíveis fósseis.

– Milho: Além da subsistência humana, representa o principal insumo para a produção de aves e suínos.

Como descontraidamente abordado no título, a produção do agro gera conseqüências em tudo, sendo qualquer medida relacionada ao setor, de suma importância para toda economia.

Exatamente como enfrentado no início deste ensaio, rememoramos que o critério da essencialidade deve ser examinado em stricto sensu, despido de ideologias ou posicionamento político sobre o tema. Desta forma, considerando que a aquisição de defensivos agrícolas não atende à mesma finalidade das bebidas alcoólicas e cigarros, por exemplo, pois estes últimos são adquiridos para consumo direto e não enquanto insumo de produção de mercadoria essencial, não podem ser equiparados entre si, para fins de adequação das respectivas alíquotas e definição do conceito de essencialidade.

De igual sorte é possível constatar que a essencialidade também foi observada em relação aos itens de absoluta necessidade – direta -, tais como medicamentos, alimentos da cesta básica, etc, cuja aquisição direta se faz para fins de manutenção do mínimo existencial e, portanto, normalmente são isentos da tributação estadual.

3. Conclusão: Consequências de Eventual Declaração de Inconstitucionalidade

Examinando os pontos inseridos no voto do Exmo. Ministro Relator da ADI 5.553, bem como nas próprias razões de pedir formuladas pelo PSOL, bem assim mantendo o exame dos critérios fundamentais nos quais se fundam a existência e finalidade do CONFAZ e suas balizas de política fiscal conferidas constitucionalmente, é possível concluir que a desoneração da Cláusula 1ª, inciso I, do Convênio 100/97 nos parece ter efetivamente atendido aos critérios de seletividade, eis que considerou não apenas os defensivos cuja venda e consumo são autorizados (atendendo à saúde e meio ambiente, caso contrário a ANVISA sequer autorizaria a produção e comercialização nacional), como ainda atentando para a finalidade a qual se destinam [produção de itens do agro de primeira necessidade, por vezes integrantes da própria cesta básica de alimentos], distinguindo-os de demais itens de consumo “não indicado”, pois justamente a finalidade de sua aquisição neste caso dos defensivos, demonstra-se efetivamente essencial, o que não ocorre com os demais itens da natureza supérflua.

A nosso sentir, em que pese o benefício fiscal em apreço culmine indiretamente em benefício econômico dos industriais de defensivos agrícolas de uso aprovado pela ANVISA e dispostos no Convênio 100/97, fato é que a desoneração do processo de produção do agro demanda efetivo incentivo, uma vez que se destina à produção de itens de primeira necessidade cujo impacto na retomada da tributação original destes insumos, geraria efeito cascata em todos os setores da economia, repercutindo no valor das matérias-prima de outros setores.

Eventual acompanhamento às razões do Exmo. Ministro Relator, pelos demais pares, pode implicar em onerosidade sem precedentes no setor do agronegócio, ensejando impactos em cascata em inúmeros outros setores da indústria, além o imediato prejuízo à política econômica interna e altos índices de inflação e provável geração de efeitos de déficits da balança comercial.

Ao final e ao cabo, independentemente de modulação de efeitos (ex nunc, ao menos, como sugerido pelo próprio Ministro Fachin), nos parece inquestionável o impacto negativo da eventual procedência da ADI, para além dos critérios jurídicos que entendemos como devidamente atendidos pelo Convênio 100/97, especialmente em sua Cláusula 1ª, inciso I, razão pela qual torcemos pela improcedência daquela pretensão, até mesmo como forma de assegurar a manutenção dos investimentos em todo o seguimento, cuja importância para a economia nacional é inequívoca.

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[1] CONCHON, Renato. “INSUMOS AGROPECUÁRIOS: O FUTURO DO CONVÊNIO ICMS N° 100/97”. Revista AGROANALYSIS – Mai./2019: file:///C:/Users/acaro/Downloads/admin,+p.35-36.pdf – acessado em 26/09/2021.

[2] Fl. 08 – Inicial da ADI nº 5.553

[3] MACHADO SEGUNDO. Hugo de Brito. “A tributação da energia elétrica e a seletividade do ICMS”, em Revista Dialética de Direito Tributário n. 62, São Paulo: Dialética. 11/2000, p. 71.

[4] Op cit. p. 72.

[5] BOTTALHO, Eduardo Domingos. “O imposto sobre Produtos Industrializados na Constituição”, em TÔRRES, Heleno Taveira (Coord.).“Tratado de Direito Constitucional Tributário”. São Paulo:Saraiva, 2005. p. 633.

[6] In “Extrafiscalidade: Identificação, Fundamentação, Limitação e Controle”. São Paulo: Noeses, 2015, p. 75.

[7] Op. cit. p. 88.

[8] CONCESSÃO INCENTIVO FISCAL DE ICMS. NATUREZA AUTORIZATIVA DO CONVÊNIO CONFAZ. 1. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE ESPECÍFICA EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA. 2. TRANSPARÊNCIA FISCAL E FISCALIZAÇÃO FINANCEIRAORÇAMENTÁRIA. 1. O poder de isentar submete-se às idênticas balizar do poder de tributar com destaque para o princípio da legalidade tributária que a partir da EC n.03/1993 adquiriu destaque ao prever lei específica para veiculação de quaisquer desonerações tributárias (art.150 §6º, in fine). 2. Os convênios CONFAZ têm natureza meramente autorizativa ao que imprescindível a submissão do ato normativo que veicule quaisquer benefícios e incentivos fiscais à apreciação da Casa Legislativa. 3. A exigência de submissão do convênio à Câmara Legislativa do Distrito Federal evidencia observância não apenas ao princípio da legalidade tributária, quando é exigida lei específica, mas também à transparência fiscal que, por sua vez, é pressuposto para o exercício de controle fiscal-orçamentário dos incentivos fiscais de ICMS. 4. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada improcedente. (STF. ADI 5.929-DF. MIN. EDSON FACHIN. Tribunal Pleno. Julgado em 14/02/2020; DJe: 06/03/2020)