A greve dos servidores do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP) levou o presidente do Superior tribunal de Justiça (STJ), ministro Edson Vidigal, a defender intervenção federal naquela Estado. Segundo explicou o ministro, a iniciativa teria que partir do presidente do TJ-SP, desembargador Luiz Elias Tâmbara, que por sua vez encaminharia o pedido ao presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva.
“O povo de São Paulo está sendo refém dos grevistas. Quantas audiências deixaram de ocorrer nesse período. Quantas mães deixaram de receber os alimentos por causa da greve. Isso é danoso”, afirmou o ministro Vidigal após cerimônia de inauguração do pavilhão nacional no pátio deste Tribunal.
Para o presidente do STJ, a greve é ilegal, e a insistência em manter o movimento grevista resulta “num radicalismo”. “Falta bom-senso”, emendou o ministro Vidigal para explicar que os servidores deveriam partir para a negociação antes de promover a greve. O ministro disse também ser importante a decisão do desembargador Tâmbara referente ao desconto dos dias de paralisação.
“Essa receita (intervenção federal) está prevista na Constituição federal”, enfatizou o ministro Vidigal. “Na legalidade, só a Constituição pode ter resposta para todos os desafios”.
O apelo ao bom-senso já tinha sido feito pelo ministro Vidigal, na semana passada, quando esteve em visita à cidade de São Paulo. Numa conversa telefônica com o desembargador Tâmbara, na última quinta-feira, o presidente Vidigal tomou conhecimento de que os servidores estavam retornando ao trabalho de modo gradual. Porém, os grevistas não decidiram pelo retorno de todos os funcionários ao trabalho, o que mereceu um discurso mais duro de parte do presidente do STJ.
“A República não pode tolerar a afronta à Constituição e às suas leis. Nosso modelo democrático coloca o Estado a serviço do Povo com um Governo para funcionar a partir dos três Poderes – Executivo, Legislativo e Judiciário”, afirmou.
“Em São Paulo, há quase noventa dias, a democracia não se realiza, a República está ferida, o Estado está capenga, o Governo está incompleto. É caso de intervenção federal para garantir-se o livre funcionamento de um dos Poderes”, disse.
A seguir a íntegra do discurso do presidente do STJ:
Ministro Edson Vidigal
Átrio Cívico, STJ – 20.09.04
Senhoras,
Senhores:
Este é o espaço destinado às grandes celebrações cívicas, o Átrio Cívico da Corte. O que nos reúne aqui é o sentimento de amor ao Brasil. Não há amor sem compromisso, nem compromisso sem lealdade.
E assim reafirmamos nossa crença nesses valores porque amando o Brasil nos mantemos leais ao Povo Brasileiro, que trabalha e luta querendo um País melhor em Justiça, em mais Ordem e mais Progresso.
O nosso ofício aqui é realizar a Justiça. Realizando a Justiça, fazemos a nossa parte na realização da democracia. Nossa causa, única, é o Brasil. Nosso patrão, único, é o Povo Brasileiro.
Nosso símbolo maior e único, a Bandeira Nacional.
O verde e o amarelo já tinham a ver com a nacionalidade brasileira quando a República chegou.
Mas a República parecia tão distante, enquanto aspiração nacional, que ao ser proclamada, destronada a monarquia, a Bandeira que ficou hasteada durante três dias na Câmara Municipal, no Rio de Janeiro, foi a do Clube Recreativo Lopes Trovão, onde se reuniam os conspiradores republicanos.
Os nacionalistas reclamaram porque a Bandeira emprestada para ser o nosso novo símbolo era exatamente igual, à exceção das cores, à dos Estados Unidos da América.
Em três dias, Raimundo Teixeira Mendes, meu conterrâneo de Caxias, MA., e Miguel Lemos, que também é nome de rua no Rio de Janeiro, entregaram o desenho a D. Flora Simas de Carvalho, a costureira, que fez a primeira bandeira, em tecido de algodão e a segunda, em seda. No dia 19 de novembro de 1889 o Brasil republicano tinha seu Pavilhão, este que é o nosso símbolo maior até hoje.
O nosso lema – “Ordem e Progresso” – foi tirado da fórmula básica do positivismo, que em resumo afirmava “o amor por princípio, a ordem por base, o progresso por fim”.
Não é vergonha reconhecer e proclamar nossas mazelas. Vergonha é não fazer nada para removê-las.
Hoje, mais que ontem, precisamos não perder de vista este roteiro. A desordem hoje é a insegurança jurídica, não só quando se ameaça a validade dos contratos, quando à falta de decisões judiciais firmes e de autoridade do Estado para fazer cumpri-las se põe em risco o direito à propriedade; quando se ocupa o tempo dos Juizes com as mesmices que sobrecarregam os Tribunais, resultando tudo, em média dez anos depois, no achincalhe do ganha-mas-não-leva.
Desordem hoje é um Estado como São Paulo, o maior do Brasil, não contar com o seu Poder Judiciário porque a intolerância dos dois lados, pelo que dizem, espicha uma greve de servidores para quase três meses.
Fóruns e Cartórios fechados em muitas cidades do interior. Ao todo, doze milhões de processos paralisados e mais de quatrocentas mil audiências marcadas e não realizadas. Um caos, no interior e na Capital.
A greve é ilegal mas não basta afirmá-la. A força dos fatos tem se mostrado maior que a força da lei.
Falta respeito ao Povo de São Paulo. Está faltando respeito à ordem democrática. Ao final, encerrada a greve, quem vai pagar os incalculáveis prejuízos à economia do Estado, às empresas, à população ?
Vivemos momentos decisivos nessa nossa empreitada pela democracia. O estado de liberdades públicas, de direitos individuais e coletivos, é incompatível com os abusos às liberdades e aos direitos que a democracia assegura indistintamente a todos.
A República não pode tolerar a afronta à Constituição e às suas Leis. Nosso modelo democrático coloca o Estado a serviço do Povo com um Governo para funcionar a partir dos três Poderes – Executivo, Legislativo e Judiciário.
Em São Paulo, há quase noventa dias, a democracia não se realiza, a República está ferida, o Estado está capenga, o Governo está incompleto. É caso de intervenção federal para garantir-se o livre funcionamento de um dos Poderes.
(Constituição Federal, Art. 34. A União não intervirá nos Estados e no Distrito Federal, exceto para:
…………………………………………..
III – por termo a grave comprometimento da ordem pública;
IV – garantir o livre exercício de qualquer dos Poderes nas unidades da Federação; ………………………………………….)
Ou sentam-me todos à mesma mesa para conversar e acabar logo com isso ou nós aqui de cima vamos ter que encontrar logo uma solução legal e prática para impedir que a desordem continue triunfando em São Paulo.
Diante deste símbolo maior da Pátria, em reverência respeitosa à nossa Bandeira Nacional, mais que uma advertência faço um apelo em favor do bom senso – que os dois lados, o do comando da grave e o do comando do Tribunal de Justiça de São Paulo busquem, o quanto antes, se entender.
Senhoras,
Senhores:
Lembrando Péricles, no seu discurso contra o desalento, não nos devemos mostrar menos bravos do que os nossos antepassados, que não herdaram este País mas o conquistaram pelo trabalho e conseguiram mantê-lo e nos entregá-lo assim, forte, respeitado, democrático, grandioso.
Não podemos renunciar à honra de ser brasileiros. Temos um grande destino para cumprir. E faremos mais do que temos feito. Pela Ordem no Brasil, pelo Progresso do Brasil.
Unidos, conscientes do que queremos e do que não queremos, venceremos com o Brasil. Afinal, como dizia o poeta maior Gonçalves Dias, “se o duro combate / os fracos abate / aos fortes, aos bravos / só pode exaltar”.
Obrigado.”
Fonte: www.stj.gov.br